quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Ex-moradoras de favela atingida por incêndio em setembro em SP não recebem auxílio- aluguel
Em uma esquina do
Campo Belo, bairro da
zona sul de São Paulo,
um muro cinza de
alvenaria inacabada
serve de proteção a duas
pequenas casas,
agraciadas com um
grande quintal. Mas há
algo de errado. Em vez
de jardins e áreas de
lazer, o que se vê é um
piso de concreto e alguns
materiais de construção
encalhados em um
canto. Apesar da
presença de várias
crianças, nenhum
brinquedo foi erguido no
terreno. É que as
moradoras destas casas
não pertencem aos
imóveis, nem os imóveis
pertencem a elas.
Estas moradoras, aliás,
não têm um pedaço de
terra para chamar de
seu. Perdidas e sem
saber a quem recorrer,
elas clamam pelo direito
à moradia na maior
metrópole do país.
Cleide Alves da Silva, 29,
e Luciana Alves da Silva,
31, perderam tudo no
incêndio que atingiu a
favela Sônia Ribeiro,
conhecida como Piolho,
em 3 de setembro deste
ano. Sem ter para onde
ir, contaram apenas com
a boa vontade de um
conhecido para arranjar
um lugar emprestado,
onde construíram dois
cômodos mobiliados com
doações de “pessoas
estranhas”, como dizem
as duas irmãs. Da
prefeitura, elas
receberam apenas cesta
básica e colchonetes nos
instantes seguintes ao
fogo. “Depois disso, não
tivemos mais auxílio
nenhum da parte deles”,
conta Cleide.
Nem mesmo ajuda para
alugar um canto novo.
Cleide diz que se
inscreveu em um
cadastro da prefeitura
para receber o auxílio-
aluguel, que nunca
chegou. “Eu arrumei
uma casa para alugar e
fui levar o comprovante
[para os funcionários da
prefeitura], com a
promessa de que no dia
1º de outubro eles
começariam a pagar o
primeiro auxílio-aluguel.
Dariam um cheque de R
$ 1.800, referente a seis
meses. Depois disso, não
tivemos retorno.”
Um dos possíveis motivos
da confusão diz respeito
à natureza do cadastro.
Segundo Cleide, os
agentes públicos que
foram ao Piolho logo
após o incêndio
inscreveram os
moradores cujos barracos
haviam sido atingidos
pelo fogo em um
cadastro do Previn, o
Programa de Prevenção
contra Incêndios do
governo municipal.
À época, muitas pessoas
não quiseram se
inscrever, já que não se
tratava de habitação.
“Hoje, as assistentes
sociais dizem que
somente as 92 famílias
cadastradas no Previn
poderão receber esse
auxílio-aluguel e a
promessa de uma
moradia, que deve ficar
pronta no final de 2013.
Mas eu não creio que
isso vai acontecer”,
continua,
desesperançosa.
Segundo a Sehab
(Secretaria Municipal de
Habitação), todas as
famílias que moram em
assentamentos precários
existentes dentro dos
limites da operação
urbana Água Espraiada
foram cadastradas, entre
2009 e 2010, no
programa que destina
uma habitação de
interesse social a elas.
No caso do Piolho, a
secretaria informou que
houve um cruzamento
de dados –agentes da
Defesa Civil foram à
comunidade após o fogo,
inscreveram as 92
famílias e depois
repassaram os dados à
Sehab.
O órgão da prefeitura
ainda informa, em nota,
que “as famílias dos 92
barracos atingidos não
aceitaram o atendimento
de auxílio-aluguel
oferecido”. “Cabe
esclarecer que foram
feitas reuniões com as
lideranças comunitárias
e com os moradores,
mas ninguém aceitou a
proposta.”
Não é o caso de Cleide.
Ela, que é mãe solteira
de uma menina, não só
se inscreveu e espera o
auxílio, como lamenta
que o mesmo não ocorra
com a sua irmã. Luciana
estava ausente no dia do
cadastramento, e,
embora morasse em um
barraco próprio, Cleide
não conseguiu convencer
os agentes públicos a
realizar dois cadastros.
“Em vez de colocar
‘moradora ausente’, eles
a puseram como
segunda titular da minha
residência, como se
houvesse só uma
moradia”, afirma.
Luciana, casada e com
cinco filhos para cuidar,
conhece bem a sua
situação. “Se não fosse
esse amigo do meu
marido [que emprestou
o terreno no Campo Belo
a eles por um ano], a
gente ia estar na rua.
Porque muita gente não
conseguiu lugar para
morar.”
Fabiana dos Santos Melo,
27, também ex-
moradora do Piolho que
teve o barraco atingido
pelo incêndio, se
inscreveu no “cadastro
do Previn” e está até
hoje, três meses após o
fogo, esperando o
auxílio.
“Eu tenho quatro filhos e
caí nessa também. Estou
tendo que pagar aluguel,
água e gás por conta
própria. Meus filhos
precisam comer e os pais
deles não ajudam. Está
difícil”, conta.
Segundo ela, os
funcionários da
prefeitura deixaram
“bem claro” que, quando
o morador assina com o
órgão para receber
auxílio-aluguel, deve
deixar o terreno da
favela. “A gente foi
embora e não voltou
[para o Piolho], e cadê o
dinheiro?”, indaga.
Cleide não se conforma.
“Ninguém mora em
favela porque quer, nem
porque gosta. É porque
precisa. Eu sou uma
cidadã e quero ter o
meu direito a uma
moradia decente. Porque
o voto é obrigatório, mas
quando você vai exigir os
seus direitos, você não
tem. Quando eu vou
poder dar um quarto só
para a minha filha? Não
tenho como. Não temos
a quem recorrer. E é
nesse inferno que
vivemos desde o dia do
incêndio.”
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