sábado, 28 de abril de 2012

Frédéric Pagès comanda oficinaque ensina jovens de Diadema

Numa pequena sala
da Casa do Hip-Hop de Diadema,
um dos mais ativos polos de
criação de cultura ligada ao rap
paulista na Grande São Paulo, dez
jovens músicos, DJs e MCs da
comunidade se debruçam sobre o
poema "O sofá", de Machado de
Assis: "Um sofá! Mais belo símbolo/
Da preguiça outro não há.../ Ai, que
belas entrevistas/ Não se dão sobre
um sofá/ E que de beijos ardentes/
Muita boca aí não dá!"
A tarefa é entrar em contato com
as palavras e o ritmo do poema e, a
partir daí, musicá-lo de alguma
forma. Para auxiliá-los está o
cantor, ator e jornalista Frédéric
Pagès, um francês amante da
música e da literatura brasileiras, e
seu percussionista, o também
francês Xavier Desandre-Navarre.
Engana-se quem pensa que a cena
acima é um mero
experimentalismo de gringo
fazendo pesquisa em terras
brasileiras. A aula faz parte da
Oficina de Literatura e Hip-hop, um
curso idealizado e dirigido por
Pagès e que por seis semanas, até
dia 4 de maio, incentivará nos
jovens músicos de hip-hop a leitura
de textos da literatura brasileira
(com destaque para a afro-
brasileira). E a transformação deles
em música como forma de
popularizar os escritores. São
quatro horas de oficina quatro
vezes por semana, e os músicos
ganham uma bolsa de R$ 3 mil para
compensar as horas em que deixam
de trabalhar.
Para quem não sabe, Diadema e
Montreuil-sous-Bois, município da
Grande Paris, são cidades-irmãs, e
foi lá, em 2009, no Ano da França
no Brasil, que o projeto tomou
forma durante visita do prefeito de
Diadema, Mário Reali. E seu
encontro com Pagès.
- Eu já conhecia o trabalho da Casa
do Hip-hop e sugeri a ele uma
oficina onde não apenas se
trabalhasse a musicalidade, mas
também o uso de textos da
literatura brasileira como
inspiração e mesmo identificação - -
conta Pagès num português com
sotaque, mas fluente. - Eu já fazia
isso na periferia francesa, e, em
novembro de 2009, tivemos dois
dias de oficina aqui com muito
sucesso. Depois, decidimos
estender o trabalho para algo mais
longo e com um viés que pudesse
ajudar os jovens em suas carreiras
de músicos. Começamos em março.
Os alunos foram selecionados entre
a comunidade de jovens >ita
- A técnica abriu a minha cabeça e
eu tenho uma outra visão de
literatura agora. Não é mais mexer
na métrica das palavras,
simplesmente, mas uma coisa mais
instintiva - diz Joul.
Pode parecer estranho para muitos
o fato de um francês estar à frente
de uma Oficina de Literatura e Hip-
hop brasileiros. Mas Frédéric Pagès
tem uma longa relação com o Brasil
e a cultura local. Em 1979, veio
para cá a bordo de um cargueiro
movido pelo que já conhecia de
música e literatura nacionais.
Inspirava-o o escritor franco-suíço
Blaise Cendrars, que foi amigo dos
modernistas Mario e Oswald de
Andrade, nos anos 1920 e 30.
- Em 1966, eu já era músico e
apaixonado por jazz. Tive contato
com uma gravação de "Garota de
Ipanema", com Stan Getz, Astrud e
João Gilberto e Tom Jobim. Vinis
brasileiros eram difíceis de achar
na França, mas ouvi Sergio Mendes
e achei tudo fascinante - conta ele,
que considera o multi-
instrumentista Hermeto Pascoal o
"maior gênio da música brasileira",
tanto que chegou a produzir shows
do artista na Europa.
- Ainda no navio, a gente ouvia por
rádio Ivan Lins cantando "Guarde
nos olhos", com solo de gaita de
Maurício Einhorn, e eu jamais
poderia imaginar que viria a tocar
com ele - lembra.
Einhorn devolve:
- Ele é um compositor muito sui
generis, no melhor da expressão.
Um gênio.
Tradução de Vinicius
O contato com o Brasil nunca se
perdeu. Em 1998, antes de a Feira
do Livro de Paris abrir
homenageando o Brasil, Pagès já
escrevia sobre o país para revistas
culturais como "Télérama" e "Les
inrockuptibles" e, por conta disso,
foi convidado pelos organizadores
do evento para planejar os
encontros, mesas-redondas e
debates da feira. Em 2005, ele fez o
inverso, na Bienal do Livro do Rio,
quando a França era a
homenageada. No evento, lançou o
CD "Cobra Norato", no qual
musicalizou o famoso poema de
Raul Bopp. No mesmo ano, lançou
o CD "Lettre Océan", com a
participação de artistas como
Mônica Salmaso e Paula
Morelenbaum.
- Ele traduziu para o francês um
poema de Vinicius para meu álbum
"Berimbau" e o declamava durante
uma música - conta Paula. - Acho
bacanérrima essa relação dele com
o Brasil
Adepto dos chamados concerts
litéraires, os shows que misturam
música e literatura declamada,
Pagès montou "Récits du
sertão" ("Histórias do sertão"),
baseado em textos de Guimarães
Rosa, apresentado no Centro
Pompidou, em Paris.
- Fiz por conta da musicalidade de
sua escrita e de sua inspiração
mágica - afirma ele, que se casou
duas vezes, com duas brasileiras. A
mulher atual, Daniela, é professora
universitária de português em
Paris.
O último CD de Pagès, "Entre
delícias e terrores", lançado em
março na França, vem com um
encarte com letras em francês e
português, muitas compostas em
parceria com o filho Thiago (as
traduções são de Daniela). Como
um show literário, o músico canta e
declama perplexidades sobre os
altos e baixos do mundo, com,
segundo ele, "uma inspiração
brasileira" nas melodias.
- É como o carnaval, uma coisa
fascinante, ambígua, divertida e
ameaçadora - define.

Nenhum comentário:

Postar um comentário